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Crônicas de Sunnah [parte 03] [Si’lat]


Durante o meu nascimento ficou claro que eu não era normal, como os demais humanos, e fui abandonado à própria sorte na vastidão do deserto, por sorte ou azar sobrevivi e cresci no meio dos exilados e marginalizados, os Ghūls. Apesar de me assemelhar com os meus acolhedores eu ainda assim era diferente e portanto uma aberração.

Apesar de não ter um nome e ser chamado de “coisa” eu vivia uma vida comum e simples. Um dia, no entanto, durante uma ronda por comida eu e meu supervisor, de nome Roc, acabamos nos afastando mais do que deveríamos da vila e precisamos acampar durante a noite. A lua estava cheia e iluminava a vastidão e beleza do deserto.

Durante a minha vigília os galhos acabaram e a fogueira estava quase sem material para consumir, para evitar que a fogueira se apagasse e nos deixasse expostos e fui procurar madeira e galhos pela região, antes do tempo que eu supus ser necessário para a madeira ser consumida.

Quando voltei me deparei com uma cena que até hoje eu me recordo... Enquanto eu estava ausente Roc, que dormia, foi atacado por uma criatura do deserto e estava sendo devorado a poucos metros de onde eu me escondi. Quando a criatura se deu por satisfeita com a refeição, deixou os restos do meu supervisor e uma poça de sangue para trás, nesta hora eu percebi que se voltasse desacompanhado para a vila os demais iriam me condenar pelo ocorrido e possivelmente me matariam.

Nesta hora em desespero desejei não ter nascido como uma ‘coisa’ e sim como um orgulhoso Ghūl, tal qual Roc. Depois de um longo tempo olhando para os restos mortais e com esse forte desejo, de ser algo além do que eu era, crescendo no meu interior senti que de alguma forma as células do meu corpo começaram a falar comigo e realizar o meu desejo. O meu rosto e músculos começaram a se contorcer e deslocar-se em um processo doloroso que eu nunca havia vivenciado.

Depois de um curto espaço de tempo, que pareceu uma eternidade, vendo a mudança nos meu braços e pernas, instintivamente olhei meu rosto no reflexo de um pedaço de metal espelhado que refletia a lua, neste momento percebi que a minha forma original era igual à uma peça espelhada, que agora refletia o Roc... O meu primeiro nome.

Depois desse dia assumi vários rostos e nomes de mortos e não mortos, de Ghūls, Humanos, Qareen e Alsahras. Até que, por deslize, fui pego por vocês, senhores Alquimistas… Como eu disse no início desse ‘interrogatório’ em não conheço outros iguais a mim... Mas eu tenho uma teoria, vocês já ouviram falar da figura folclórica Si’lat? Nos mais diversos povoados que passei os mitos sobre ele são contados, suas habilidades se assemelham de certa forma à minha habilidade. Eu diria que por trás desses mitos existe uma parcela de realidade e na verdade eu sou apenas mais um que nasceu assim, portanto, podem existir outros iguais a mim espalhados por toda a nossa Sunnah.

Aquele que possui muitos e nenhum nome

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